O fenômeno do crescimento urbano desorganizado tem se intensificado nas cidades brasileiras, gerando desafios profundos em termos sociais, ambientais e de infraestrutura. Com apenas 0,54% da área total do Brasil urbanizada, segundo dados do IBGE de 2019, torna-se urgente repensar qualquer estratégia de expansão. A falta de coordenadores, de políticas públicas eficazes e de participação popular resulta em expansão sobre áreas de risco, precarização de serviços básicos e aumento de desastres naturais. É nesse contexto que surge a necessidade de uma abordagem que combine técnica, ética e engajamento comunitário, permitindo que cada nova quadra, cada novo lote, contribua para um tecido urbano mais resiliente e humano.
Diversos fatores convergem para alimentar a expansão irregular das cidades. Em primeiro lugar, o êxodo rural acelerado pela falta de oportunidades nas zonas não urbanizadas empurra milhões em busca de emprego e melhores condições de vida. Ao mesmo tempo, a ausência de políticas habitacionais coerentes faz com que o poder público seja incapaz de oferecer moradia digna ao ritmo necessário, deixando espaço para ocupações irregulares. A especulação imobiliária, que valoriza terrenos em regiões centrais, acaba expulsando populações vulneráveis para as periferias, onde os serviços costumam ser ainda mais precários. Por fim, a concentração de investimentos em áreas nobres, ao invés de promover uma distribuição equilibrada nas cidades, aprofunda desigualdades e motiva ocupações sem infraestrutura.
As consequências são múltiplas e se manifestam de forma aguda em todas as dimensões da vida urbana. O avanço de favelas em encostas coloca mais de 16 milhões de brasileiros em risco de deslizamentos, enquanto a perda de 4.300 hectares de vegetação, equivalente a seis mil campos de futebol, agrava o efeito de ilhas de calor e prejudica a qualidade do ar. A precariedade dos serviços básicos — saneamento, transporte e saúde — também se intensifica, visto que apenas 40% das cidades possuem planos diretores atualizados. O resultado é o aumento de problemas sociais, como violência e desemprego, e catástrofes ambientais, como enchentes repentinas e deslizamentos em regiões negligenciadas.
O panorama de urbanização varia conforme as regiões do país. No Sudeste, a urbanização atingiu quase 91% em 2000, contrastando com 70% no Norte e Nordeste, que, apesar de menores, registraram as maiores taxas de crescimento na última década. Favelas emblemáticas, como Rocinha no Rio de Janeiro, Heliópolis em São Paulo e o Complexo da Maré, ilustram diferentes formas de ocupação e adaptação. Em cada caso, grupos comunitários e ONGs vêm desenvolvendo soluções locais, como sistemas de gestão de resíduos, hortas comunitárias e mutirões de adequação habitacional, demonstrando que participação social é pilar fundamental para o sucesso de qualquer intervenção urbana.
Para enfrentar esses desafios, é preciso adotar estratégias integradas, que considerem tanto a técnica quanto a dimensão social. O planejamento urbano sustentável e participativo exige atualização e cumprimento rigoroso dos planos diretores, além de estudos de uso do solo que garantam infraestrutura antes da ocupação urbana, evitando lançamentos de loteamentos sem acesso a água, esgoto e transporte. O adensamento consciente, por sua vez, utiliza imóveis e terrenos ociosos para acolher novas famílias, diminuindo a pressão sobre as periferias e promovendo a reabilitação de áreas centrais degradadas.
Crescer de modo sustentável e consciente não é apenas um lema, mas um compromisso ético e técnico com as gerações futuras. Ao priorizar uso racional das terras urbanas e garantir a inclusão da comunidade nos processos decisórios, podemos transformar o ambiente construído em um espaço de oportunidades, saúde e bem-estar. Cada bairro planejado, cada projeto de habitação social, cada programa de mobilidade urbana integrado contribui para derrubar muros históricos de desigualdade. A mudança começa com diálogo, dados e vontade política. Juntos, gestores, especialistas e a sociedade civil podem reverter o ciclo de expansão desordenada e construir cidades mais justas, resilientes e humanas.
Referências